segunda-feira, 30 de março de 2009

Marc Bloch e os reis taumaturgos

Marc Bloch pode ser considerado como um dos primeiros historiadores do movimento dos Annales, não tendo ficado de forma alguma atrelado apenas a Revista dos Annales. Um de seus livros mais importantes “Os Reis Taumaturgos” foi escrito em 1924 e trará em grande parte as propostas que serão defendidas pelo movimento principalmente a partir dos anos trinta. A proposta do livro, apesar de ter sido elogiado e bem recebido pela comunidade acadêmica trouxe estranheza para a maioria dos intelectuais que o leram. Considerado por muitos como o fundador da antropologia histórica, Bloch fez história com o que antes era entendido como anedota ou superstição, ou seja, o poder miraculoso de cura dos Reis da França e da Inglaterra. Além da experiência que teve com a primeira guerra mundial, o ambiente da Universidade de Estransburg pode ser considerado como um dos maiores influenciadores para a constituição de suas problemáticas e de sua carreira intelectual. Como a cidade havia sido retomada pelos franceses, assistimos a uma tentativa de desligamento da Universidade com sua tradição Alemã, sendo assim, foram chamados para lá, alguns dos jovens intelectuais dos mais brilhantes da França. Bloch vivia, portanto em um ambiente de grande efervescência, tendo sido muito influenciado pelas conversas com os colegas e amigos Blondel e Halbward, ambos antigos alunos de Durkheim. Seu contato com as ciências sociais era muito grande, dessa forma tornava-se possível começar a perceber o estudo da História de uma maneira diferente, incrementar novos conceitos e paradigmas nas pesquisas. Uma nova crítica ao modo positivista de fazer história acabou por ser gerado, e os questionamentos teóricos sobre história puderam ganhar novos fôlegos metodológicos.
“Os reis Taumaturgos”, nas palavras de Jacques Le Goff cresceram em um humo interdisciplinar, que podem ser inseridos no mais atualizado pensamento histórico e antropológico dos anos 20. Pode-se notar em Bloch, uma influência Durkheimiana, principalmente em função de como o autor tratava seu objeto. Na conceituação de Durkheim, o sagrado é definido como uma representação da sociedade. Tanto um como o outro autor, foram amplamente influenciados por Fustel de Coulanges . Henri Sée amigo e colega de Bloch, considerava de que o método sociológico tal como definiu Durkheim era em grande parte um método histórico. O autor do “Os reis Taumaturgos” tinha a seguinte opinião sobre Durhkeim: “Ele ensinou-nos a analisar com maior profundidade, a considerar os problemas mais de perto, a pensar, eu ousaria dizer, menos barato. Marc Bloch, aprendeu a não pensar barato, mas também não seguiu a metodologia sociológica durhkeimiana.
O trabalho de Bloch é reconhecido principalmente pela sua uma extrema erudição,e entre as várias leituras do autor, podemos apontar o seu conhecimento do trabalho de dois antropólogos James Frazer e Lucien Levy- Bruhl. Ambos foram muito importantes para os estudos em antropologia e apesar de terem sido criticados e ultrapassados metodologicamente, são lidos até hoje. Os Reis taumaturgos”, em sua estrutura de pesquisa , já apontava para duas das grandes propostas de inovação dos Annales. A primeira seria explicar o milagre na sua duração e em sua evolução, e em segundo, a busca de uma explicação total, de uma história total. A proposta de que o que criou a fé no milagre, foi à idéia de que ali devia haver um milagre, tornou-se uma das bases da história das mentalidades e da psicologia histórica. Considerado como um mergulho da história profunda, o milagre régio podia ser considerado como uma gigantesca notícia falsa. Partindo-se da premissa de que era preciso “compreender o passado pelo presente”, a experiência de Bloch com os soldados de 1914 a 1918 e as propagações das notícias falsas, serviram como um estopim para sua análise das formas de pensar das pessoas durante a Idade Média em relação ao milagre régio.
Bloch, portanto influência e é influenciado. Suas obras e novas proposições não nascem de “geração espontânea” e o diálogo entre História e as Ciências Sociais, a partir dos estudos e das interpretações destes homens, é um fato a ser entendido no contexto de estudo e erudição a que se propunham. Seria impossível realizar-se uma obra original sem o estudo daquilo que se tinha realizado anteriormente. A partir dos Reis Taumaturgos e da força que os Annales tomarão em suas interpretações, teremos novas questões a serem levantadas. O diálogo com as ciências sociais nos anos 30 estava só começando.

Fonte: http://profaludfuzzi.blogspot.com/2009/03/marc-bloch-os-reis-taumaturgos-e-os.html

Um comentário:

  1. Uma pequena crítica, que juro ser construtiva:
    Em primeiro lugar, não seria de maneira alguma correto dizer que houve um "movimento" dos Annales, pois no interior do próprio grupo havia consideráveis discordâncias em diversos pontos, e nele próprio não havia uma homogeneidade de metodologia entre os membros. O mais coerente seria chamá-los de "grupo" dos Annales, que deram grande ênfase à multidisciplinaridade no estudo histórico. Outra coisa importante: não foram os Annales que criram tais conceitos, (desde Edward Gibbons, no século XVIII, que eles já despontam) apenas o fizeram com uma sistemática mais coerente, em moldes dialéticos.

    Obrigado, e desculpe-me se pareci inconveniente...

    Rafael Deangelo - Segundanista da USP
    http://noisefreaks.blogspot.com

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