sexta-feira, 26 de junho de 2009

Sobre Michael Jackson

Há muitas formas de se abordar a morte de M. Jackson. Poderia falar da cobertura maciça da mídia, a começar pela CNN, que acompanho em tempo real. Poderia refletir sobre o que é uma sociedade da informação, em que todos partilham ao mesmo tempo de um luto global. Esquecemos, por ora, a história da cultura, e falemos do drama humano. Pois é esta dimensão que me deixa aturdida, escancarando para todos nós a complexidade insondável que é a vida humana. Pequenas e grandes tragédias pessoais, histórias de vida marcadas pela dor, a terrível solidão da fama e do sucesso, a mesquinharia da glória, a profundidade dos abismos em que muitos de nós são lançados. Haverá algo mais fascinante do que a experiência humana, com suas infinitas possibilidades ? À medida que vamos trilhando o nosso caminho, apercebemo-nos do quão espinhoso e árduo ele é: em cada um que sucumbe, há um universo de sofrimento, alegria, prazer e provação, que nós mal conseguimos divisar. O drama humano se desenrola de forma diferente para cada um de nós - e, como historiadora, não posso deixar de pensar nesta dimensão da história que ainda permanece oculta. O homem diante da vida - haveria repertório mais desafiador ?

Sobre centro e periferia

Gostaria aqui de continuar a discussão iniciada ontem em sala de aula sobre centro e periferia. A tese de Jack P. Greene sobre a negociação entre as elites locais e o poder central não significa necessariamente a pulverização do binômio periferia vs. centro. O fato de haver negociação não elimina o conflito e o caráter impositivo do centro. Toda negociação ocorre dentro de uma margem de possibilidade, dada pelo centro. Vejam um exemplo: aqui em Minas negociou-se as formas de pagamento do quinto. Mas a imposição do quinto estava fora de discussão: devia ser pago e ponto final. Na verdade, a ênfase demasiada na negociação acaba por suprimir não só a dimensão do conflito, mas a atuação do próprio Estado português, que deixa de ser o centro formulador da política colonial. O Grupo do Rio levou a tese de Greene às últimas consequencias, de tal modo que seus adeptos só vêem negociação (e portanto resolução de conflito) em todas as esferas. É preciso lembrar, mais uma vez, que a negociação ocorre dentro de relações de poder, dadas previamente: o que se negocia, como se negocia e até onde se negocia são fixados por aquele que tem mais poder - no caso, o Estado. A dissolução do poder central dilui por completo a própria lógica da colonização, concedendo à periferia um poder que ela jamais teve.
Esta é a polêmica entre o Grupo do Rio e a USP. Enquanto os primeiros rompem com o binômio centro vs. periferia, a USP insiste na centralidade do poder metropolitano.
Eu não acho que a saída seja o modelo do Antigo Sistema Colonial. Havia um Estado português que formulava e implantava políticas para o mundo colonial, baseadas no princípio da exploração econômica. Concordo plenamente com Greene sobre a importância da negociação, mas não posso aceitar, como quer o Grupo do Rio, a diluição das instâncias do centro e da periferia. Como venho dizendo, vivemos uma fase conservadora da historiografia brasileira: jogar no lixo as dimensões políticas inscritas na relação centro e periferia é, mais uma vez, suprimir o conflito, ofuscar as relações de dominação e negar as tensões entre centro e periferia. Em fim, centro e periferia são categorias que, ainda que relativizadas, não podem ser jogadas na lata do lixo.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

PDF] Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early ...

Pessoal
Segue o link para o texto do Sanjay.
Abraços a todos

PDF] Connected Histories: Notes towards a Reconfiguration of Early ...
Formato do arquivo: PDF/Adobe Acrobat - Ver em HTML
Connected Histories: Notes towards a. Reconiguration of Ear& Modern Eurasia. ' SANJAY SUBRAHMANYAM. Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris ...
www2.warwick.ac.uk/.../subrahmanyam_connected_histories.pdf

Absolutismo vs. negociação

Já vai longe o tempo em que os historiadores acreditavam num poder absolutista, imposto de cima para baixo, com mão de ferro. A revisão começou com Michel Foucault e, para o caso português, culminou na obra de Antonio Hespanha. Governabilidade significa, para os autores contemporâneos, operar negociação entre centro e periferia, numa simbiose de interesses capaz de dar sustentação ao poder central. Com grande influência sobre o centro, as periferias, na análise de Greene, impuseram seus interesses, participando ativamente do poder e dos seus benefícios, sob a forma de direitos, privilégios e isenções. Segundo Greene, havia um delicado equilíbrio entre os interesses das elites locais e os interesses do poder central. Quando este equilibrio foi rompido, o sistema entrou em colapso.
Em lugar do absolutismo, temos então a relativa autonomia das elites locais, encasteladas nos nichos de poder existentes na periferia.
Será que alguém discorda ?

http://www.rj.anpuh.org/Anais/2004/Simposios%20Tematicos/Rodrigo%20Ceballos.doc

Este meio original de lidar com as relações entre “centro” e “localidades” pode ser complementada com o estudo de Jack Greene sobre as colônias americanas. Para ele a autoridade não fluiu do centro para as periferias, mas foi construída por uma série de negociações, de barganhas promovidas tanto de um lado como do outro. Estas práticas envolveram o exercício da força de um centro, mas que também permitiram o uso da autoridade nas margens do Império. Até mesmo no Estado espanhol – capaz de financiar sua defesa naval, pagar tropas, manter uma crescente burocracia formada por oficias reais e abolir privilégios locais – a estrutura da autoridade foi constantemente negociada entre a Coroa e seus súditos hispano-americanos. A força centrífuga nas margens não foi depreciável e ocorreu principalmente através de uma “criolização” dos cargos régios e o direito dos colonos se sentirem consultados antes da promulgação das ordens régias. Nesta delicada relação, a Coroa espanhola foi obrigada a agir com o mesmo cuidado que mantinha com seus nobres espanhóis na península.
Greene nos permite repensar o aparente caos das periferias através de seu próprio dinamismo interno e suas relações com o centro, implodindo a concepção de que a autoridade parte do centro e se alastra, bem ou mal, pelos seus pólos formando um consenso comum. Jack Greene nos mostra como as autoridades periféricas não foram absorvidas e tomadas pelo Estado, ou que algumas vezes nem mesmo foram produzidas pelo Estado e confiscadas por ele. Para este historiador, “scholars have long recognized that Spanish Mexico and Spanish Peru, places generating enormous wealth, filled with large populations, and characterized by complex economic, political, and cultural forms, functioned as core areas in Spanish Americas”. Resta aos interessados pelo tema fazerem melhor uso dos conceitos de “centro-periferia” ao analisar a organização interna do Império nas Américas.
Defender a existência das periferias como core areas, capazes de exercer ações mantenedoras de um Império junto ao seu centro, significa considerar a autoridade como algo que se exerce e funciona positivamente dentro de uma rede social. Pensar na dicotomia “centro x periferias” – como aquele que possui um “poder” e os que não têm – é romper com a própria idéia de relação. Assim, as estruturas de autoridade são criadas a partir de um processo de negociação entre as partes envolvidas. Os “poderes” envolvidos neste processo raramente têm o mesmo peso, mas através de uma combinação de resistência e aquiescência até mesmo o mais fraco desta disputa obtém algum benefício . Neste sentido, Greene se apropria do termo authority para explicar uma disputa que implica legitimação, justiça e direito, produto da negociação e sanção entre as partes envolvidas que promoveram a própria malha tecedora do Império.
A existência da multiplicidade de redes de poder entre as Américas ligadas às suas metrópoles demonstra que a colonização não partiu unicamente de diretrizes metropolitanas, mas perpassou as próprias práticas locais. Da mesma forma, mais do que um ato ilícito as redes de interesses estiradas pelo Vice-Reino do Peru em direção ao Rio da Prata foi parte de uma ação colonizadora promovida, em grande medida, pela Coroa através de seus próprios funcionários. Aproveitando-se desta rede, ou mesmo fazendo parte dela, a metrópole utilizava os próprios recursos produzidos pela extralegalidade para enviar tropas para o Chile, manter uma comunicação regular, além de arrecadar importantes somas em prata ou bens materiais.
Fonte:AS (IN)FORMALIDADES DO IMPÉRIO ESPANHOL NO SÉCULO XVII
os portugueses em Buenos Aires e as redes de poder, Rodrigo Ceballos
(doutorando UFF)

Pulverização do poder em Greene

Segundo Greene, a infiltração nas agencias da administração colonial pelos membros das elites coloniais e a naturalização dos oficiais a partir do centro reforçaram a influencia das periferias sobre o governo imperial. Havia um delicado equilíbrio entre os interesses locais e os interesses metropolitanos, necessário para a sobrevivência do sistema.

Elites locais vs. poder central

Para Greene, os Estados não dispunham de recursos administrativos, econômicos e militares para recorrer a formas impositivas de poder sobre as colônias. Por meio de direitos e privilégios, eles estenderam os seus domínios sobre o mundo colonial, bargando e negociando com as elites locais. Tratavam-se de monarquias compósitas, baseadas em acordos entre as elites, num processo de associação e negociação. Rejeitando a tese de um poder centralizado e abandonando os modelos coercitivos, propõe a idéia da natureza compósita que envolvia a formação destes estados, do que resultava o estabelecimento de enclaves privados que frequentemente precediam os esforços metropolitanos para a imposição de um controle central. Para obter a cooperação das elites locais, os agentes oficiais tinham que negociar as autoridades com elas.