Este meio original de lidar com as relações entre “centro” e “localidades” pode ser complementada com o estudo de Jack Greene sobre as colônias americanas. Para ele a autoridade não fluiu do centro para as periferias, mas foi construída por uma série de negociações, de barganhas promovidas tanto de um lado como do outro. Estas práticas envolveram o exercício da força de um centro, mas que também permitiram o uso da autoridade nas margens do Império. Até mesmo no Estado espanhol – capaz de financiar sua defesa naval, pagar tropas, manter uma crescente burocracia formada por oficias reais e abolir privilégios locais – a estrutura da autoridade foi constantemente negociada entre a Coroa e seus súditos hispano-americanos. A força centrífuga nas margens não foi depreciável e ocorreu principalmente através de uma “criolização” dos cargos régios e o direito dos colonos se sentirem consultados antes da promulgação das ordens régias. Nesta delicada relação, a Coroa espanhola foi obrigada a agir com o mesmo cuidado que mantinha com seus nobres espanhóis na península.
Greene nos permite repensar o aparente caos das periferias através de seu próprio dinamismo interno e suas relações com o centro, implodindo a concepção de que a autoridade parte do centro e se alastra, bem ou mal, pelos seus pólos formando um consenso comum. Jack Greene nos mostra como as autoridades periféricas não foram absorvidas e tomadas pelo Estado, ou que algumas vezes nem mesmo foram produzidas pelo Estado e confiscadas por ele. Para este historiador, “scholars have long recognized that Spanish Mexico and Spanish Peru, places generating enormous wealth, filled with large populations, and characterized by complex economic, political, and cultural forms, functioned as core areas in Spanish Americas”. Resta aos interessados pelo tema fazerem melhor uso dos conceitos de “centro-periferia” ao analisar a organização interna do Império nas Américas.
Defender a existência das periferias como core areas, capazes de exercer ações mantenedoras de um Império junto ao seu centro, significa considerar a autoridade como algo que se exerce e funciona positivamente dentro de uma rede social. Pensar na dicotomia “centro x periferias” – como aquele que possui um “poder” e os que não têm – é romper com a própria idéia de relação. Assim, as estruturas de autoridade são criadas a partir de um processo de negociação entre as partes envolvidas. Os “poderes” envolvidos neste processo raramente têm o mesmo peso, mas através de uma combinação de resistência e aquiescência até mesmo o mais fraco desta disputa obtém algum benefício . Neste sentido, Greene se apropria do termo authority para explicar uma disputa que implica legitimação, justiça e direito, produto da negociação e sanção entre as partes envolvidas que promoveram a própria malha tecedora do Império.
A existência da multiplicidade de redes de poder entre as Américas ligadas às suas metrópoles demonstra que a colonização não partiu unicamente de diretrizes metropolitanas, mas perpassou as próprias práticas locais. Da mesma forma, mais do que um ato ilícito as redes de interesses estiradas pelo Vice-Reino do Peru em direção ao Rio da Prata foi parte de uma ação colonizadora promovida, em grande medida, pela Coroa através de seus próprios funcionários. Aproveitando-se desta rede, ou mesmo fazendo parte dela, a metrópole utilizava os próprios recursos produzidos pela extralegalidade para enviar tropas para o Chile, manter uma comunicação regular, além de arrecadar importantes somas em prata ou bens materiais.
Fonte:AS (IN)FORMALIDADES DO IMPÉRIO ESPANHOL NO SÉCULO XVII
os portugueses em Buenos Aires e as redes de poder, Rodrigo Ceballos
(doutorando UFF)
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