quinta-feira, 30 de abril de 2009

Christopher Hill, segundo Elias Saliba

Sinopse
Dentro da revolução inglesa do século XVII, que resultou no triunfo da ética protestante - a ideologia da classe proprietária - houve a ameaça de uma outra revolução, completamente diferente. Seu sucesso poderia ter estabelecido a propriedade comunal e uma democracia mais ampla, poderia ter derrubado a Igreja estatal e rejeitado a ética protestante. Os grupos radicais que apresentaram essas propostas - diggers, ranters, levellers, quacres e outros - eram formados por homens e mulheres pobres, sem sofisticação ou educação, e, talvez por isso, raramente suas opiniões foram consideradas a sério. Porém muitas de suas exigências, tradicionalmente descartadas como fantasias impraticáveis, aproximam-se do radicalismo do nosso próprio tempo. 'O mundo de ponta-cabeça' é um retrato não da revolução burguesa que ocorreu na Inglaterra do século XVII, mas dos impulsos para uma radical reviravolta da sociedade, violentamente desejada e temida.

Saiu na Imprensa:
O Estado de S. Paulo / Data: 2/3/2003
Hill, um historiador que se inspirou em Eliot
Autor inglês aproximou-se da investigação a partir da literatura
ELIAS TOMÉ SALIBA
Especial para o Estado
"O século 17 produziu uma profunda dissociação em nossa sensibilidade que ainda não superamos." Esta frase de T.S. Eliot serviu de inspiração para Christopher Hill - segundo ele próprio conta em The Experience of Defeat - vocacionar toda a sua extensa carreira de historiador no sentido de compreender as revoluções inglesas daquele século. Hill morreu na segunda-feira, aos 91 anos. Nada a estranhar que a sensibilidade de um poeta tenha servido de inspiração para um historiador marxista. Como observa Hobsbawm - da mesma geração que Hill - na sua recente autobiografia, a Grã-Bretanha da década de 30 foi um dos raros países nos quais se desenvolveu uma escola de historiadores marxistas exatamente pelo contato intenso que esta geração teve com a literatura. Ela preenchia, já no curso secundário desses jovens, o espaço vazio deixado pela filosofia. Como todos que iniciaram sua formação intelectual naqueles anos de tensão, Hill acreditava que o marxismo era a única filosofia capaz de explicar satisfatoriamente o torvelinho de conflitos e perversidades da época. Esta peculiar aproximação do marxismo pelas vias oblíquas da literatura fez com que Hill - da mesma forma que Hobsbawm, Raymond Williams, E.P. Thompson e outros não menos notáveis - se preocupasse menos com o tema da evolução dos "modos de produção", com todo o jargão obscuro que o acompanhava, e mais com a natureza e o dilema de criadores culturais na sociedade - ou, em termos marxistas, "de que forma a superestrutura estaria ligada à base?" Hill provavelmente começou a se preocupar com esse tema desde o início de sua formação e, agarrando-se ao problema - como ainda observou Hobsbawm - "como um cachorrinho que se vê às voltas com um osso excessivamente grande".Assim, a adesão ao marxismo, que já se fazia pelas vias mais heterodoxas e criativas, sofrerá uma inflexão em 1957, com a revelação dos crimes de Stalin no famoso relatório Kruchev e a invasão da Hungria pelas tropas soviéticas - momento no qual Hill, acompanhando grande parte da sua geração, rompe com o PC. É a partir daí que Hill publicou seus livros mais importantes, como O Eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa, uma das mais documentadas e completas biografias dessa espécie de "Stalin puritano", e O Mundo de Ponta-Cabeça; Idéias Radicais durante a Revolução Inglesa de 1640 -, um estudo que disseca, de forma cabal e abrangente, o imaginário inglês, na época do regicídio e das sangrentas guerras civis.Livros que se tornaram clássicos, porque sem eles é impossível se compreender não apenas como o capitalismo se fez à custa de uma violência fratricida, mas sobretudo, porque constituem uma comovente ilustração da história inglesa, arranhando o maior do seus mitos: o de uma sociedade em que o consenso evita o confronto. E o poeta, que escreveu a frase inspiradora para o historiador Christopher Hill no longínquo ano de 1921, talvez a repetisse, inteira, na era de Tony Blair.

Sobre o autor:
HILL, CHRISTOPHERUm dos principais historiadores marxistas de sua geração, Christopher Hill estudou na St. Peter’s School, York, e no Balliol College, Oxford. Em 1934, tornou-se fellow do All Souls College, Oxford, e, em 1936, professor de história moderna no University College, Cardiff. Dois anos depois, passou a dar aulas e a orientar teses em história moderna no Balliol. Após ter servido na Segunda Guerra, voltou a dar aulas em Oxford, em 1945. De 1958 a 1965, foi professor de história dos séculos XVI e XVII, e, de 1965 a 1978, foi master do Balliol College. Depois de ter deixado esta instituição, foi professor visitante, durante dois anos, da Open University. Hill, fellow da Royal Historical Society e da British Academy, recebeu diversas menções honrosas das principais universidades britânicas. Morreu em 2003, aos 91 anos. Entre suas principais publicações estão: Origens intelectuais da Revolução Inglesa; A Revolução Inglesa de 1640; O mundo de ponta-cabeça; O eleito de Deus; Lenin and the Russian Revolution; Puritanism and Revolution; Milton and the English Revolution e A Turbulent, Seditious and Factious People: John Bunyan and His Church.

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