sábado, 18 de abril de 2009

Sobre história e antropologia

Por certo, a desmistificação da idéia de progresso e a desaceleração dos tempos
da história conduziram a um privilegiamento das dimensões mais “estacionárias” ou “frias”
— ambas as expressões são de Lévi-Strauss —, em detrimento das dimensões mais
“quentes” ou “cumulativas” da vida social. Como diria azedamente o crítico Dosse, trata-se
de um “tempo repetitivo, etnográfico”, quer dizer, o tempo próprio e inconsciente de uma
vida cotidiana que muda muito lentamente e que desconhece uma evolução contínua,
homogênea e unilinear. A concepção de tempo — e, portanto, o regime de historicidade —
da Nova História insere-se perfeitamente nessa perspectiva sintetizada pelo historiador e
antropólogo de Certeau:
"A Antropologia insinua na História uma outra relação com o tempo: já não se trata
de um tempo voluntarista, progressista e nítido, que continua sempre a avançar
apesar das resistências, mas sim de um tempo que se repete, que evolui em
espiral, que tem nós e volta atrás, um tempo manhoso, enganador e cheio de
sinuosidade." (DE CERTEAU, 1983: 28)
Na antropologia histórica, portanto, o questionário — ou a “tópica”, como diria o
epistemólogo Veyne — é antropologicamente orientado para a análise histórica dos estratos
mais profundos e inconscientes da vida social, o que polemicamente se chamou estruturas.
Por trás da cena mais facilmente visível da história, e como pano de fundo dela, têm-se
acontecimentos de ritmos lentos e muito lentos, observados na perspectiva de um
macrotempo, o tempo das estruturas que se transformam muito devagar, apenas
perceptíveis na escala da longa duração, e que em parte condicionam ou mesmo
determinam inconscientemente o modus vivendi cotidiano: os modos de ser, pensar, sentir,
crer, viver e morrer. Observe-se que a longa duração não é incompatível com o recorte
cronológico curto, justamente porque respondem a diferentes regimes de historicidade.
Como esclarece Le Goff,
"A longa duração não é forçosamente um longo período cronológico; é aquela parte
da história, a das estruturas, que evolui e muda o mais lentamente. Pode-se
descobri-la e observá-la por um lapso de tempo relativamente curto, mas
subjacente à história dos eventos e à conjuntura de médio prazo." (LE GOFF,
1999: 17)
A microhistória à la Annales não joga fora o bebê com a água do banho: os
ritmos lentos da longa duração e os grandes espaços da civilização mediterrânica são
pressupostos explicativos das estruturas observadas com olho de míope através da redução
da escala espaço-temporal. Pelo menos, esse é o caso de algumas obras mestras, como as
do já citado Le Roy Ladurie.

Fonte:
Antonio Paulo Benatte – História e antropologia no campo da Nova História
Revista História em Reflexão: Vol. 1 n. 1 – UFGD - Dourados Jan/Jun 2007.

Link: http://www.historiaemreflexao.ufgd.edu.br/historiaemreflexao_ed1/antropologia.pdf?PHPSESSID=456defffb0a850c46bd073be760feb9b

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