quinta-feira, 23 de abril de 2009

LINK http://www.historia.uff.br/nec/dezembro2005/christopherhill.htm

Uma Inglaterra de radicais revolucionários -
Christopher Hill e O Mundo de Ponta-Cabeça: Idéias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640

Pablo Ramos de Azevedo, Renato Rodrigues da Silva e Ivan Dias Martins

Houve, durante a revolução Inglesa do séc. XVII, a obscura possibilidade das massas populares ganharem a hegemonia do movimento revolucionário. Possibilidade que não foi tão remota quanto se pode pensar pois, entre os populares, idéias radicais fermentavam intensamente, e conforme a Revolução se “aburguesava” os movimentos radicais de origem popular antagonizavam cada vez mais o regime da Commonwealth. É analisando esses movimentos radicais subterrâneos da Revolução Inglesa, que o historiador Christopher Hill fez uma análise de suas estruturas ideológicas e do quadro que representaram na Revolução, no livro O Mundo de Ponta-Cabeça: Idéias Radicais na Revolução Inglesa de 1640.
Até o advento de O Mundo de Ponta-Cabeça, houve dois enfoques principais sobre o processo revolucionário inglês do século XVII: o triunfo da ética protestante e a ascensão da burguesia (enfoque tipicamente marxista) e a revolução compreendida como “Revolução Gloriosa” (versão produzida pela historiografia liberal). Porém, Hill joga uma nova luz sobre o processo revolucionário. Limitando-se ao estudo das décadas de 40, 50 e 60 do século XVII, Hill se atém a uma parte da população que até então passara quase desapercebida, ou seja, as camadas populares que participaram da Revolução. Este enfoque é de tal forma inovador que será uma referência utilizada pelo próprio Thompson dentro da sua obra “A Formação da Classe Operária Inglesa”, e por outros historiadores, marxistas ou não.
Esta parcela da população teve participação direta no processo revolucionário, e suas reivindicações, assim como suas propostas, poderiam ter levado a Revolução a um rumo completamente diferente. Estes grupos de marginalizados formaram movimentos radicais – Diggers, Ranters, Quakers, e outros – cujas ações acabaram desencadeando reações por vezes muito violentas, o que contraria a noção de que a revolução houvesse se realizado por consenso.
Essas propostas radicais -formadas por homens e mulheres pobres sem educação ou erudição -criticavam o sistema que se havia imposto após a decapitação de Carlos II pelo parlamento, e pelo afastamento das propostas defendidas pelos rebeldes no início da Revolução. Muitos deles foram criaturas da escola de política democrática existente dentro do New Model Army (Exército de Novo Tipo). Pretendendo mudar a realidade em que viviam, propuseram idéias muito radicais para o seu tempo (algumas delas permanecem radicais até para nós hoje), como a abolição da propriedade privada e a instituição da propriedade comunal, o fim dos dízimos e das Igrejas organizadas, a soberania popular e a igualdade entre todos os homens, eleições anuais para o Parlamento, o direito do povo à Resistência Armada contra um Parlamento despótico, a liderança feminina em cultos religiosos, além de revolucionarem os costumes da época – pondo abaixo os preceitos da ética protestante, questionando o pecado em si e gozando publicamente os prazeres que antes destinavam-se apenas aos privilegiados. Os mais radicais, como os Ranters por exemplo, fumavam e bebiam alucinadamente durante seus cultos alem de pregarem publicamente a favor da liberdade sexual, tanto masculina quanto feminina; sendo uma espécie de precursores do amor-livre que teria seu auge na década de 60 do século passado. A idéia da igualdade sexual e da liberdade feminina nos mesmos patamares conhecidos pelos homens era uma proposição que demoraria mais de dois séculos para voltar a ser uma bandeira de luta.
Além dos protestos políticos, Hill mostra a ferrenha crítica religiosa que rondava os radicais, das críticas à Igreja Estatal, do comportamento do clero, e da idéia de que a religião era uma forma de controle e de opressão sobre os pobres; até o radicalismo religioso, com a abolição do pecado e a negação da existência de Deus.
Nesse universo fabuloso de críticas e idéias religiosas, os homens do povo chegaram a conceber um Deus que não era personalizado e exterior ao mundo, imaginaram-No em comunhão com a natureza e com o homem, um Deus que estava em tudo e em todos, que era interno a todos os homens e que por essência fazia todos os homens iguais entre si. As concepções imanentistas da natureza divina e a visão de “Deus como Natureza” postuladas pelo líder Digger Gerrard Winstanley – um homem que às vésperas da revolução tomava conta de vacas enquanto estas pastavam – se aproximam das do célebre filósofo Baruch Espinoza, com a grande diferença de que a teologia de Winstanley apelava para uma liberdade da condição humana sem precedentes. A apologia de Deus como Razão era um mecanismo de libertação da natureza humana de todo jugo opressor, e de defesa da prosperidade de toda a comunidade humana.
Na obra de Hill podemos sentir a originalidade do pensamento das classes populares, e perceber a importância de sua participação no processo revolucionário da década de 40, e - mesmo com a violenta repressão sofrida pelos grupos populares a partir da Restauração (e mesmo antes desta no caso de James Nayler) – sentimos as suas sobrevivências ao longo do tempo, influenciando, mesmo que de forma subterrânea os movimentos subversivos da ordem tradicional inglesa e da luta por direitos por parte das camadas marginais da população. Um livro de grande importância para os historiadores contemporâneos, que resgata a importância da análise dos movimentos populares e das ideologias destes na compreensão da totalidade histórica.

2 comentários:

  1. Com quantos blogs, links e professores que os alimentam se forma um historiador ou um pesquisador para o século XXI?
    Obrigada Adriana

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