quarta-feira, 15 de abril de 2009

Trechos de entrevista com Jacques Le Goff

- Não se poderia aproximar essa observação da perspectiva antropológica, quando, ao descrever sociedades outras, estamos retratando também a nossa própria sociedade?
- Concordo inteiramente, mas, você sabe, há um número bastante grande de
historiadores que discordam. Para mim, é o ponto crítico que me permite distinguir os
historiadores que pretendem renovara história daqueles que se satisfazem com a história
tradicional. Acredito que, tanto na antropologia como na história, há esse movimento de ida-evolta.
É claro que as sociedades de que trata o historiador não são as mesmas sociedades que o
antropólogo estuda, e mesmo quando eles acabam pesquisando as mesmas sociedades - o que
acontece cada vez mais - eles têm pontos de vista um tanto diferentes. O que os aproxima é
sobretudo o fato de ambos considerarem as sociedades de modo global, sem fragmentá-las
conforme os velhos escaninhos da história tradicional.


- O senhor é considerado como o pai fundador da antropologia histórica. Em recente estudo, Jean Andreau e François Hartog a definem como sendo essencialmente francesa, e escrevem textualmente que “seu primeiro campo, e o mais importante, foi a história medieval em torno de Jacques Le GoIf”. Concorda?
- Não é verdade! Digo isso sem falsa modéstia, a antropologia histórica propriamente
dita apareceu primeiro num grupo francês, mas era um grupo de helenistas.
- Vernant?
- Vernant, e antes dele, Gernet. Devo muito a ambos.
-Nesse campo, por que não citar também Meyerson?
- Devo dizer que conheço pouco a obra dele. Eu o conheci pessoalmente, ele foi o
mestre de Jean-Pierre Vernant, viveu muitos anos e, quase até o fim de sua vida, ministrou seu
seminário. Vernant sempre me falava dele. Mas vou confessar algo que deve ser um
preconceito meu: dispenso os filósofos! Vou explicar a minha posição. Creio sinceramente
que a filosofia é uma manifestação do espírito humano, é uma disciplina que deve ter um
lugar importante na formação dos jovens, na universidade, mas enquanto a história me parece
ser um dos objetos sobre os quais é não só legítimo mas ainda necessário que os filósofos
reflitam, penso que o historiador não tem que se entregar à filosofia da história.
Recuso toda filosofia da história. Veja bem: não quero fazer pesquisa sem saber o que
estou fazendo. Não ter consciência dos pressupostos implícitos nos métodos que utilizamos
seria perigoso demais. Por isso considero que a metodologia e a epistemologia são
importantíssimas. Mas a filosofia, não. Uma das poucas exceções que eu faria, seria em relação a Michel Foucault. Eu o freqüentei bastante, conversamos muitas vezes, mas acredito que ele foi um caso raro: tornouse historiador, permanecendo filósofo! Creio que se Michel Foucault pôde ser tão importante para um historiador como eu - e não estou sozinho nisso é porque ele se tinha tornado um historiador.
Em compensação, não sou chegado aos filósofos. Não nego que haja nisso uma grande
parte de preconceito. Acabo agora de descobrir - aliás, estou me perguntando se já o tinha lido
antes, e registrado inconscientemente - pois bem, eu que tenho tanto interesse pelo imaginário,
há quinze dias me deparei com um texto de Bachelard, o filósofo, totalmente empolgante, a
esse respeito! Isso significa, provavelmente, que a minha reserva em relação aos filósofos é
um tanto exagerada. Mas quando falo neles, penso sobretudo nos metafísicos, que se
apresentaram como a quinta-essência dos filósofos. Ora, devo dizer, nem Platão, nem
Descartes - que admiro muito -, nem Hegel - que não suporto -, nem Nietzsche - ainda que
muitos filósofos agora o considerem como o pai da filosofia, e que eu ache seus textos muito
belos -, nem Heidegger - deixando de lado qualquer implicação ideológica -, nenhum deles me
parece interessar ao historiador. De fato, me provocaram verdadeira repulsa.
Além de Michel Foucault, no entanto, há um filósofo vivo, contemporâneo, que
escreve coisas extremamente interessantes sobre o tempo. É Paul Ricoeur.

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