quarta-feira, 17 de junho de 2009

O fim do humanismo em Foucault, segundo Demerval Saviani

O reconhecimento do empenho dos historiadores da educação não deve obscurecer, porém, as reais dificuldades teóricas. Dir-se-ia que, até mesmo em razão do mencionado empenho em se colocar em dia com os avanços no campo da historiografia, detecta-se uma tendência em aderir muito rapidamente às ondas supostamente inovadoras que aí se manifestam. Apenas à guisa de exemplo, lembro a influência de Foucault, transformado praticamente no guru da historiografia dita avançada. O problema é que a maioria dos historiadores, de um modo geral, e historiadores da educação, de modo especial, tem pouco domínio sobre o universo epistemológico em que se move Foucault e, menos ainda, sobre a matriz filosófica de que é tributário, o que obrigaria a remontar ao pensamento de Nietzsche. Talvez esteja aí a razão da grande receptividade conferida a Foucault nas pesquisas de História da Educação, acolhido como o arauto da defesa da subjetividade humana. Logo ele para quem o
“o homem é uma invenção recente” cujo fim já se anuncia, como se evidencia nessas palavras finais do livro:
“Se estas disposições viessem a desaparecer tal como apareceram, se por algum acontecimento de que podemos, quando muito, pressentir a possibilidade, mas de que não conhecemos de momento ainda nem a forma nem a promessa, se desvanecessem, como sucedeu na viragem do século XVII ao solo do pensamento clássico – então pode-se apostar que o homem se desvaneceria, como à beira do mar um rosto de areia” (FOUCAULT, 1968. p. 502).
Para Foucault o pensamento clássico, isto é, aquele que se constituiu nos séculos XVII e XVIII, entrando em crise no século XIX, tinha por base um “campo epistemológico” gerador das categorias “sujeito”, “consciência” as quais não passam de ficções desse mesmo campo epistemológico. Isto porque, como esclarece Eduardo Lourenço na introdução à tradução portuguesa de “As palavras e as coisas”, a noção de “campo epistemológico” traduz uma intenção implícita que estrutura uma área cultural permanecendo, porém, invisível àqueles que a utilizam, melhor dizendo, àqueles que ela utiliza. Eis porque Eduardo Lourenço dá este significativo título à sua introdução: “Foucault ou o fim do humanismo”.
Essa idéia está explicitamente formulada na obra, como se pode ilustrar, por exemplo, no tópico denominado “o sono antropológico” onde, após referir-se a Nietzsche que teria reencontrado o ponto em que a morte de Deus é sinônimo do desaparecimento do homem, sendo a promessa do super-homem a iminência da morte do homem, afirma Foucault:
“A todos os que pretendem ainda falar do homem, do seu reino ou da sua libertação, a todos os que formulam ainda questões sobre o que é o homem na sua essência, a todos os que querem partir dele para ter acesso à verdade, a todos aqueles, em contrapartida, que reconduzem todo o conhecimento às verdades do próprio homem, a todos os que não pretendem mitologizar sem desmistificar, que não querem pensar sem pensar logo que é o homem que pensa, a todas essas formas de reflexão canhestras e torcidas, não se pode senão opor um riso filosófico – quer dizer, em certa medida, silencioso” (1968, pp. 445-6).
É nesse contexto que Foucault se revela assumidamente estruturalista o que se manifesta mesmo na introdução à “A Arqueologia do Saber” quando, ao tratar dos problemas do campo metodológico da história, afirma: “a estes problemas pode-se dar, se se quiser, a sigla do estruturalismo” (1972, p. 19). É verdade que, nessa mesma introdução ele irá, mais adiante (p. 25), fazer uma autocrítica de suas obras anteriores, entre elas, “As palavras e as coisas”. Não, porém, para abandonar aquela rota, mas para assumi-la de forma mais conseqüente e radical. Com efeito, ao se referir à “Histoire de la Folie” ele irá lamentar o quanto permaneceu aí próximo de “admitir um sujeito anônimo e geral da história”. E se entristece por não ter sido capaz de evitar, em “Les Mots et les Choses”, que “a ausência de balizagem metodológica permitisse que se acreditasse em análises em termos de totalidade cultural” (1972, p. 25). Em outros termos, para ele essas insuficiências decorreriam da força de atração ainda exercida pelo “campo epistemológico” clássico que o teria levado a se aproximar da idéia de um sujeito geral da história, num caso, e da categoria analítica da totalidade cultural, no outro.
Parece, pois, no mínimo estranho que esse autor seja tomado, com alvoroço e entusiasmo por jovens investigadores da história da educação, como aquele que teria vindo a resgatar a liberdade e autonomia dos sujeitos tanto no âmbito da ação histórica como da pesquisa histórica. Trata-se, salvo melhor entendimento, de um tema que está a exigir um estudo sistemático, cuidadoso e aprofundado.

Fonte
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario4/trabalhos/sessab01.rtf

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