quinta-feira, 14 de maio de 2009

Conceito de apropriação em Chartier

"É por isso que esta noção parece central para toda história cultural — com a condição,talvez, de ser reformulada. Esta reformulação, que enfatiza a pluralidade dos uso e dos entendimentos, se afasta, de saída, do sentido dado ao conceito por Michel Foucault quando coloca "a apropriação social dos discursos" como um dos mais importantes procedimentos por meio dos quais os discursos são dominados e confiscados pelas instituições ou pelos grupos
que se arrogam o direito de exercer um controle exclusivo sobre eles. Ele se afasta, também, do sentido que a hermenêutica dá à apropriação, quando a representa como o momento em que a "aplicação" de uma configuração narrativa particular à situação do sujeito transforma, pela interpretação, a compreensão que este tem de si mesmo e do mundo, transformando assim, também, sua experiência fenomenológica tida como universal. A apropriação tal como a entendemos visa a elaboração de uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os controem. Prestar, assim, atenção às condições e aos processos que muito concretamente são portadores das operações de produção de sentido, significa reconhecer, em oposição à antiga história intelectual, que nem as idéias nem as interpretações são desencarnadas, e que, contrariamente ao que colocam os pensamentos universalizantes, as categorias dadas como invariantes, sejam elas fenomenológicas ou filosóficas, devem ser pensadas em função da descontinuidade das trajetórias históricas. Se permite romper com uma definição ilusória da cultura popular, a noção de apropriação, utilizada como instrumento de conhecimento, pode também reintroduzir uma nova ilusão: a que leva a considerar o leque das práticas culturais como um sistema neutro de
diferenças, como um conjunto de práticas diversas, porém equivalentes. Adotar tal
perspectiva significaria esquecer que tanto os bens simbólicos como as práticas culturais continuam sendo objeto de lutas sociais onde estão em jogo sua classificação, sua hierarquização, sua consagração (ou, ao contrário, sua desqualificação). Compreender "cultura popular" significa, então, situar neste espaço de enfrentamentos as relações que unem dois conjuntos de dispositivos: de um lado, os mecanismos da dominação simbólica, cujo objetivo é tornar aceitáveis, pelos próprios dominados, as representações e os modos de consumo que, precisamente, qualificam (ou antes desqualificam) sua cultura como inferior e ilegítima, e, de outro lado, as lógicas específicas em funcionamento nos usos e nos modos de apropriação do que é imposto."

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