quinta-feira, 21 de maio de 2009
Darnton e a boêmia literária
No livro Boemia literária e a revolução, Darnton investiga o submundo literário francês às vésperas da Revolução Francesa, buscando analisar a trajetória dos homens que, com seus escritos radicais, agitavam a cena política da época, levando até as classes populares as idéias das Luzes. Descobrimos então que os libelles, com sua pornografia aviltante, apesar de desprovidos de uma ideologia coerente, comunicava um ponto de vista revolucionário, posto que mostravam a podridão social que consumia o Antigo Regime francês. Menos interessados no Contrato Social de Rousseau, o público devorava ávido as narrativas sobre a perversidade da nobreza, com seus delitos sexuais mais ignomináveis. A porno-política que infestava esta sub-literatura roía as entranhas do regime, elaborando mitos, desfazendo outros, constituindo uma opinião pública revolucionária. É bem verdae que o público francês do século XVIII não existia de forma organizada, dado que estava excluído de qualquer forma de participação política direta. Mas é esta exclusão que tornava este público permeável às estórias escabrosas que eram narradas por esta variedade impressionante de literatos, dominados pelo ódio ao Antigo Regime. É precisamente o ímpeto emocional deles que tornava sua produção revolucionária, por mais que lhes faltasse um programa político coerente. Iconoclastia radical, direcionada contra todos os valores do Antigo Regime, que tendia a dessacralizá-los, corroendo as entranhas do sistema político. A Revolução surge assim não nos tratados densos e áridos dos filósofos das Luzes, mas na sub-literatura de gosto duvidoso, por vezes escatológica e abertamente pornográfica, que se regozijava nas descrições sexuais da vida dos poderosos da época. Serviu ela como ponte entre os grandes filósofos e o público espalhado pelas pequenas cidades e pelo campo, disseminando entre eles os valores que, mais tarde, desencadeariamm a Revolução. Gente miserável, infeliz e desbocada que fazia da baixa literatura o seu ganha-pão, em tudo contrária à imagem do filósofo da academia, sisudo e apartado do povo. A disseminação deste literatura de underground só foi possível graças ao robusto comércio clandestino de livros sob o Antigo Regime, que permitia a circulação deles de forma sub-reptícia, por mãos de personagens sombrias, que arrastavam, pelas fronteiras francesas, pesados engradados de livros proibidos, em sua maioria publicados pela Société Typographique de Neuchâtel (STN), que buscava suprir os franceses de livros que não podiam ser produzidos legalmente na França. Obras obscenas ou pirateadas que inundavam o universo dos leitores franceses, divulgando um vasto repertório de assuntos, em edições frequentemente custeadas pelo próprio autor, e depois adquiridas, por meio do contrabando, pelos livreiros das pequenas cidades. Os leitores não queriam obras abstratas nem teóricas como os escritos de Montesquieu, Voltaire, Diderot e Rousseau, preferindo antes os popularizadores e vulgarizadores do Iluminismo, além das crônicas escandalosas nascidas da boataria em torno do mundo da política. Sucesso de público, os libelles eram virulentos ataques aos indivíduos que ocupavam as posições de prestígio e poder, como ministros, cortesãos, membros da família real. Luís XV reinava soberano nestes libelles, com sua escabrosa e arrepiante vida sexual, que teria custado a França mais de um bilhão de libras. O que estes literatos da sarjeta queriam - e o conseguiram - era mostrar que o regime era podre e faziam uma propaganda radical onde os assuntos políticos eram sobrepujados pelo crime e pelo sexo. O mote desta literatura girava em torno da idéia de que a monarquia havia degenerado em despotismo.
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