Os processos de ocidentalização, globalização e mestiçagens não se iniciaram a partir do século XV. Se o historiador olhar para o passado, encontrará os romanos espalhados pela Europa, Ásia e África, desbravando terras e mares. Na Idade Média, homens como Marco Polo chegaram a China e encontraram aí uma cultura completamente diferente da ocidental. Todas as culturas são mestiças: as mestiçagens ocorrem em níveis diferentes, muitas vezes apenas no âmbito local, de modo que a história da humanidade é a história de mestiçagens de toda sorte: biológica e cultural também. Há que se considerar alguns aspectos:
1.) As mestiçagens se processam necessariamente no interior de relações de poder e dominação. Não são, portanto, assépticas ou neutras, mas trazem a marca do conflito, e são, por isso mesmo, políticas.
2.) As culturas não são jamais sistemas fechados, estáveis ou coerentes. As mestiçagens operam assim entre culturas já mestiças, adaptadas às zonas de contato. É importante sondar como as culturas em foco carregam em seu bojo a experiência destes diálogos, uma vez que a própria mestiçagem é histórica do ponto de vista das culturas envolvidas. Noutras palavras, as reações aos contatos culturais são determinadas pela experiência deles no passado, predispondo ou não a assimilação do outro.
3.) A assimilação da cultura do outro, no contexto da alteridade, ocorre em condições e circunstâncias, segundo ritmos e tempos, que não são lineares. Compete ao historiador focalizar as particularidades destas mélanges.
4.) Assimilar significa re-significar: Ovídio na tapeçaria asteca é um outro Ovídio, reinventado no confronto das culturas.
5.) Sincretismo é um conceito que circula há mais de um século entre os historiadores da cultura. Lembram-se de Gilberto Freyre e do seu universo mestiço ? Pois bem, a idéia de uma aculturação impositiva e triunfante está completamente superada pelos estudiosos há muito tempo. Neste sentido, cabe indagar então a originalidade dos conceitos forjados por Gruzinski.
6.) Constatar mestiçagens não me parece suficiente. Os desdobramentos mais duvidosos do recurso generalizado aos conceitos gruzinskianos consistem em apontar os resultados da mestiçagem, contentando-se tão-somente em apontá-los, sem considerar os contextos complexos em que ocorrem. Mostrar que um objeto ou uma prática é mestiço pouco ou nada redunda em termos da interpretação histórica.
7.) Haveria um método gruzinskiano ? Se existe, ele é o da micro-história ou do estudo de caso. Análises particularizadas, centradas em contextos específicos, em escala pequena, são infinitamente mais eficientes porque iluminam casos pontuais, capazes de evidenciar os processos em plena ação.
8.) É preciso insistir mais uma vez que os contatos culturais ocorrem sempre no interior de formas de dominação, revestindo-se de uma conotação política, essencial para a seleção daquilo que é ou não assimilável. Mestiçagens culturais são, antes de tudo, mestiçagens políticas.
9.) Finalmente, o historiador não pode perder de vista a percepção dos agentes históricos envolvidos nos processos de contato cultural, interrogando-os sobre o sentido de sua experiência. Por trás de artefatos mestiços, existem histórias intrincadas que compete ao historiador desvelar. Afinal, o que pensa um índio mexicano que constrói uma catedral barroca a respeito daquilo que faz ?
quinta-feira, 28 de maio de 2009
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