quinta-feira, 21 de maio de 2009

A grande questão em Darnton

Para Darnton, a grande questão a que se dedica é: o que os franceses liam no século XVIII ? Resposta difícil, mas que vem sendo construída lentamente por gerações de historiadores. Talvez o primeiro passo para a dessacralização da visão tradicional segundo a qual o Iluminismo aplainara o caminho para Robespierre, tenha sido dado por Daniel Mornet, que mostrou a baixa penetração da Filosofia das Luzes entre o público leitor da França.
Penso que as indagações de Darnton giram em torno das questões correlatas: qual o caráter da cultura literária sob o Antigo Regime ? Quem produzia livros no século XVIII ? Quem os lia ? Quem livros eram esses ? E, mais importante, que conexões existiam entre o mundo dos livros e a Revolução ? Parece-me que a grande questão em Darnton é precisamente situar o papel dos livros - e sobretudo da literatura underground - na disseminação dos valores que, corroendo as entranhas do Regime, abririam o caminho para a Revolução.
Desconfiado de análises puramente quantitativas, Darnton defende a variedade do público leitor e das culturas literárias em ação na França. Em seu livro, ele investiga a trajetória dos literatos, a natureza de suas produções, a circulação dos livros por meio do contrabando, o cotidiano dos gráficos da STN, as preferências do público em geral. E formula três hipóteses interessantes: "primeira: o que os franceses liam era determinado, em parte, pela maneira através da qual seus livros eram produzidos e distribuídos. Segunda: havia basicamente dois modos de produzir e distribuir livros no século XVIII: o legal e o clandestino. Terceira: as diferenças entre esses dois modos foram cruciais para a cultura e a política do Antigo Regime".
O mundo editorial legal no século XVIII envolvia corporativismo, monopólio e privilégios, e também censura. Só se publicava os livros autorizados, isto é, o que não atentavam contra as instituições do Antigo Regime. Tratava-se de um negócio de pai para filho, pois que implicava privilégios adquiridos, protegido por corporações e pelo Estado. O submundo literário era bem diferente: a começar pela aguerrida perseguição que lhe fazia a polícia, temeroso dos efeitos das libelles sobre a opinião pública. Com sua insistência em doenças venéreas, sodomia, adultério, impotência, a propaganda das libelles, baseada na calúnia pessoal, era, segundo Darnton, mais perigosa que o Contrat Social, porque rompia o senso de decência que unia o público a seus governantes. "Seu dissimulado caráter moralizante opunha a ética do povo miúdo à de les grands: nesse sentido, apesar de suas obscenidades, os libelles eram intensamente moralistas". O resultado é a dessacralização infiltrando-se nos escaninhos bem abaixo da elite. A imagem de Luis XVI como cornudo gordo abriu caminho para a Revolução. Insidiosa e constante, a literatura underground minou e solapou os pilares do Antigo Regime. Sem ela, não teria havido a Revolução.

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