Para o historiador Serge Gruzinski, a França de Edith Piaf desapareceu, e os franceses não sabem como lidar com a sua nova cultura miscigenada
Para o historiador francês Serge Gruzinski, o discurso e as medidas antiimigratórias na Europa, promovidos por políticos populistas, ocultam as necessidades reais do capitalismo europeu de uma mão-de-obra barata, o que é propiciado pelos imigrantes de vários países que aportam ao continente.
Gruzinski é curador da exposição “Planète Métisse – To Mix or Not to Mix” (Planeta Mestiço - Misturar ou Não Misturar), em exibição no Museu do Quai Branly, em Paris. Na sua opinião, a cultura popular européia é hoje mais "mestiça" do que a brasileira ou americana.
"Os estrangeiros sempre chegaram à Europa, mas o problema agora é que esses novos mestiços não são estrangeiros. Eles são franceses como o francês branco e de olhos azuis. A tradição intelectual, política e educativa francesa, não tem nenhuma resposta para essa nova situação", diz o historiador. "A cultura francesa clássica já não existe. A cultura de Edith Piaf já desapareceu. Hoje, a cultura popular na França já é uma cultura mestiça."
Na exposição, os objetos contam a história de encontros de culturas que produzem uma nova cultura: mestiça. Entre os produtos culturais mestiços, o historiador escolheu a música brasileira, representada por doze diferentes manifestações musicais.
Especialista na história das Américas, autor de “História do Novo Mundo" (Edusp) e de "O Pensamento Mestiço" (Companhia das Letras), entre outros livros, Gruzinski conhece muito bem o Brasil, para onde viaja freqüentemente para participar de seminários, e fala perfeitamente o português.
Ele é também diretor de pesquisa no Centre Nacional de Recherches Scientifiques (CNRS) e diretor de estudos na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS).
Na entrevista a seguir, dada em sua sala de trabalho na EHESS, Gruzinski fala da exposição, do "pensamento mestiço" e de novas formas de mestiçagens que se dão no solo europeu e no mundo.
Para ele, a Ásia é o novo celeiro das mestiçagens. "Os antropófagos, dos quais falaram muito bem os modernistas do Brasil, nos anos 20, se deslocaram. É a Ásia que faz a antropofagia agora", afirma.
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O sr. é o autor de um livro intitulado "O Pensamento Mestiço". Como se forma esse pensamento? Ele é o resultado do encontro de duas ou mais culturas, quaisquer que elas sejam elas?
Serge Gruzinski: De uma maneira um pouco paradoxal, eu diria que as culturas nunca se encontram. As culturas não existem. Só existem seres, homens e mulheres que se encontram. E as coisas que se encontram são sempre fragmentos de culturas.
A idéia de que existem a cultura francesa e a cultura brasileira e que essas culturas se encontram é uma coisa completamente alegórica, é uma fantasia, uma imaginação.
São indivíduos ou grupos que se encontram e que misturam, não o conjunto da cultura, mas elementos escolhidos ou não de ambas as culturas. Essas se encontram através de indivíduos e sempre em contextos históricos que, muitas vezes, são assimétricos, de desigualdade, de relação de colonização.
Por exemplo, a cultura francesa quando considera as culturas latino-americanas “exóticas” não impede que haja comunicação entre o mundo latino-americano e a França, mas tem uma posição hierárquica que pensa a cultura francesa como cultura universal e a outra cultura, seja mexicana seja brasileira, como uma cultura “exótica”.
Existem dois níveis bem distintos. De um lado, as práticas culturais, ou seja misturar a gastronomia, a alimentação ou até mesmo as músicas. Já o pensamento mestiço é uma coisa mais complexa, porque supõe a mistura de mecanismos intelectuais diversos.
Por exemplo?
Gruzinski: Ele é o produto de pelo menos duas maneiras de pensar o mundo com instrumentos intelectuais distintos. Ou seja, o pensamento mestiço supõe um certo grau de consciência, não só o fenômeno de misturar, mas supõe uma capacidade de eleger nas duas culturas certos elementos e combiná-los.
Isso supõe toda uma estratégia. E razões bem precisas para fazê-lo. No caso dos índios do México, que estudei, era uma maneira de resistência, de conservar elementos das culturas pré-hispânicas, integrando-as aos elementos europeus, para encontrar uma forma de integração na nova sociedade colonial sem perder e esquecer todo o patrimônio pré-hispânico.
Então, temos esse pensamento mestiço que corresponde a um tipo de estratégia voluntária, deliberada, calculada. Também a estratégia da Igreja Católica de misturar elementos católicos com elementos locais em toda a América Latina para enraizar o seu culto é uma forma de pensamento mestiço. Escolher, misturar para conseguir os sincretismos. Em certo momento, esse movimento de manipulação escapa à Igreja Católica, e os sincretismo têm vida própria.
O que é um "objeto mestiço"?
Gruzinski: A exposição é num lugar que conserva objetos, o Museu do Quai Branly. A idéia era utilizar objetos para contar, explicar e interpretar o processo da mestiçagem. Um objeto mestiço é aquele que pertence a várias civilizações ao mesmo tempo.
Por exemplo, ele é africano e europeu, americano e europeu, asiático e americano. Temos na exposição dois objetos que são turcos e da China ao mesmo tempo.
O tema da exposição são as mestiçagens planetárias, ou seja, aquelas surgidas entre América, África, Ásia e Europa. São formas de mestiçagens que correspondem atualmente à situação européia com grupos africanos ou asiáticos formando a nova civilização européia.
Por exemplo, a ópera-balé "Padmavâti", de Albert Roussel, um autor francês do início do século XX. Essa ópera-balé estreou na Ópera de Paris em 1923. Neste ano (2008), ela foi remontada em Paris, e o diretor foi um cineasta famoso de Bollywood, da Índia. Ou seja, música francesa e direção de um cineasta indiano.
Essa é a nova cultura parisiense, mistura entre as coisas francesas e as outras culturas. "Padmavâti" é um objeto mestiço, uma obra mestiça.
O catálogo da exposição explica que a música é, por excelência, o recipiente da mestiçagem. Na exposição, o Brasil é apresentado como uma síntese da música mestiça, com todos os seus ritmos e gêneros. Por que a exposição só mostra a música brasileira, entre tantas outras músicas mestiças que o catálogo cita?
Gruzinski: Por várias razões. Primeiramente, pela enorme contribuição da música brasileira à música do século 20. E no caso do Brasil temos rapidamente a passagem da música popular à música nacional, com o samba e a "world music", ou seja, a recuperação da música do Brasil nesse "melting pot" das mestiçagens internacionais das músicas.
Há toda essa dimensão do passado histórico africano da escravidão e da criação de uma cultura nacional e popular a partir da música brasileira, que, com Carmen Miranda e o que se seguiu a ela, acaba tornando-se um produto industrial, uma música internacional e parte da "world music".
É óbvio que o jazz, o gospel, as músicas da Argentina e do México são também material interessante. O caso do Brasil nos interessou para podermos dar uma idéia, ainda que superficial, de uma genealogia, de um processo que começa na época colonial e de uma mestiçagem que se enriquece e muda continuamente.
No caso do Brasil, o que é extraordinário é que vemos que ele tem essa capacidade de reconstituir formas mestiças, recriar formas mestiças. Há uma recriação constante. As doze músicas mostradas no museu dão uma idéia de um processo que começou e continua, é permanente.
Também é importante recordar que, por trás dessas músicas, e também de todo o continente americano, temos o fenômeno da escravidão. A exposição pretende contribuir para desenvolver um olhar mais crítico sobre o passado, sobre a realidade cultural.
A gente deve saber que as mestiçagens do Brasil e da América espanhola tiveram um preço altíssimo, que foi a deportação sistemática dos povos africanos para o continente americano.
A idéia é levar o público a pensar os dois elementos, a riqueza das mestiçagens, mas também o contexto histórico, para evitar as ilusões que levam a pensar que a mistura das culturas significa igualdade.
Sabemos que, no caso do Brasil, a circulação entre as culturas e as misturas podem corresponder a uma situação de injustiça social total. Existe esse perigo de pensar que podemos resolver as fraturas sociais com as mestiçagens.
O governo da França gosta de utilizar esse tipo de ilusão, falando da liberdade de culturas e da mistura das culturas, para não resolver os problemas reais, que são sociais e econômicos.
As políticas antiimigração na Europa significam que os países temem a mestiçagem cultural e étnica ou são simplesmente um problema econômico e demográfico?
Gruzinski: Diria que é um tema extremamente confuso, atualmente. Existe um discurso antiimigração, mas por outro lado o capitalismo europeu, o desenvolvimento da União Européia precisa de mão-de-obra, e barata.
No discurso populista -dos políticos, da imprensa- aparece o medo. Num nível real, o capitalismo europeu tem necessidades econômicas que o levam a introduzir cada vez mais africanos, asiáticos e até ameríndios, que vêm da América Latina para a Espanha.
Há esse duplo aspecto do fenômeno. Nesse populismo não há somente um discurso político superficial. É verdade que os europeus estão entrando numa sociedade completamente distinta.
Nela, existem turcos, magrebinos (árabes do norte da África) e negros africanos que nasceram no continente europeu, o que significa que hoje a Europa é um continente muito mais mestiço do que o Brasil. O Brasil tem as mestiçagens do passado. A Europa está entrando numa fase em que grande parte da população é mestiça.
Basta ver a televisão, quem são os jovens da periferia de Paris e das grandes cidades? São magrebinos e negros. Moro no XV arrondissement (bairro parisiense) e vejo que os jovens são negros.
Parte da população européia já é africana ou asiática, e muitos têm a religião muçulmana. E isso suscita medo em muitas pessoas. A Europa não estava acostumada a conviver com a mestiçagem nascida na Europa.
Os estrangeiros sempre chegaram à Europa, mas o problema agora é que esses novos mestiços não são estrangeiros. Eles são franceses como o francês branco e de olhos azuis. Eles nasceram na República, são africanos ou asiáticos completamente mestiços, ocidentalizados, afrancesados. A tradição intelectual, política e educativa francesa, não tem nenhuma resposta para essa nova situação.
As respostas estão sendo construídas?
Gruzinski: É preciso construir, mas o problema é que muitas vezes a construção se faz através do populismo, manipulando os medos, não para encontrar novas formas de convivência, mas para captar eleitores, votos. Não para desenvolver políticas novas, mas para tentar provocar reações passageiras, para assegurar o poder de um grupo ou de outro.
O francês médio, branco tem medo da miscigenação étnica ou quer preservar a cultura francesa? Qual é o fantasma deste francês médio?
Gruzinski: A cultura francesa clássica já não existe. A cultura de Edith Piaf já desapareceu. A cultura dos Ch’tis, que os estrangeiros conhecem através dos filmes, já não existe, desapareceu há meio século.
Essa cultura francesa clássica desapareceu, os jovens não a conhecem. A idéia de preservá-la me parece algo equivocado, porque esse patrimônio não tem mais vida.
Hoje, a cultura popular na França já é uma cultura mestiça. Basta ver os discos, as músicas, ela são uma mistura franco-africana. E a maneira dos jovens se vestirem é uma cópia das culturas populares dos Estados Unidos. Esse medo é sobretudo a falta de modelos. A França não sabe como se orientar nessa nova paisagem.
A miscigenação étnica não assusta?
Gruzinski: Acho que não. Quando há uma manifestação racista no futebol, imediatamente a televisão mostra e aparece uma série de mecanismos muito fortes de reação. Basta uma palavra racista, um escândalo, para que a mídia denuncie.
As novas leis também são eficazes para limitar toda forma de racismo. No mundo dos jovens, as músicas e a maneira de vestir estão criando uma cultura mestiça.
O problema que vejo é na parte mais velha da população, que é rica, aposentada, pertence ao mundo antigo e é ali que existe uma reação. Os políticos também ainda não conseguem pensar uma sociedade francesa como uma sociedade mesclada, misturada.
Por quê?
Gruzinski: A formação intelectual deles é de uma França monolítica e branca. A França de Michel Foucault não é uma França mestiça, nem a França de Deleuze, nem a França de Baudrillard, nem a de Jean-Paul Sartre.
Aquela França tinha problemas sociais e econômicos, mas não tinha diferenças culturais. Isso quer dizer que, para nós, intelectuais, como para os políticos, os instrumentos à nossa disposição correspondem a uma sociedade que já não existe. Isso provoca medo e desorientação.
Não há na França reações violentas de guetos, mas há preocupação, porque estamos entrando num mundo para o qual não temos as chaves. O Brasil tem as chaves, o México tem as chaves.
Como seria a construção dessas chaves na França?
Gruzinski: O problema é duplo, porque é a relação com franceses que procedem de outras civilizações, sem falar do fato de que a França também já é parte da Europa.
Para mim, como historiador, um caminho seria a construção de uma memória européia aberta para o mundo. A França não vai resolver sozinha. O desafio é duplo. É a relação com homens e mulheres que chegam de outros mundos, mas também a convivência com os belgas, italianos, alemães, portugueses, espanhóis. Como criar uma memória histórica comum?
Então, o desafio é ao mesmo tempo interno e externo às fronteiras de cada país?
Gruzinski: O problema não é saber apenas como um francês branco, de origem cristã, vai conviver com o magrebino ou africano, mas também como vai conviver com o polonês, com o italiano.
O problema é que a escola também não prepara nem forma cidadãos europeus. O cidadão europeu tem que ser inventado e, para isso, temos que religar constantemente a Europa com o resto do mundo. E o Brasil é parte da história européia.
Em que sentido?
Gruzinski: Não no sentido colonial. Mas o Brasil é uma manifestação da Europa nos seus contatos com o mundo índio e o mundo africano.
Vocês são um dos espelhos, com o México e os Estados Unidos. E não podemos imaginar uma história européia desligada dos laços com a América, a África e a Ásia. Isso não quer dizer, como antes, a reivindicação de um passado civilizador. De jeito nenhum. Mas quer dizer que nós temos responsabilidades.
O Brasil não é a Europa, mas fala português. O Brasil faz parte do mundo ocidental. Um cidadão europeu tem que levar em conta as raízes americanas, africanas e asiáticas. Mas sobretudo americanas.
Como o sr. analisa o pensamento de Gilberto Freyre? Como resumiria a mestiçagem brasileira e como vê o racismo no Brasil, que insistimos em negar, mas está muito perceptível nas relações sociais?
Gruzinski: Não gosto da idéia de que um francês possa opinar sobre o Brasil e decidir se os brasileiros são racistas ou não. Tenho umas idéias mais precisas sobre o México, porque vivi lá muito tempo.
Gilberto Freyre é muito importante. A contribuição do Brasil, da América Latina, não é unicamente na experiência da mestiçagem, mas também do pensamento da mestiçagem.
Para nós, a prioridade é aprender que o Brasil produz também intelectuais, conceitos e idéias, não unicamente música. E, nesse caso, se tentamos pensar o que é a mestiçagem como processo e mistura étnica e cultural, não são muitos os pensadores no planeta.
Há pensadores no Brasil, como Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, e no México, como Gonzalo Aguirre Beltran, que nos podem ajudar numa reflexão intelectual sobre o processo.
E, para mim, antes de discutir a validade das hipóteses e das idéias de Freyre, é fundamental dizer por que nos interessa a experiência latino-americana: pelo fato de ser uma experiência de práticas e de idéias.
Então, a relação com a América Latina se inverte. Para os europeus, é a oportunidade de aproveitar esse patrimônio intelectual, de todas as reflexões sobre a mestiçagem na constituição do Brasil. Mas também toda a contribuição dos pensadores do México e do Peru.
Isso é bastante difícil explicar aos europeus: que os latino-americanos podem também pensar, ter uma contribuição teórica fundamental para hoje. Mas o único continente que tem experiência da mestiçagem planetária é a América Latina. Não aconteceu na África, tampouco na Ásia. A mistura de ameríndios, europeus, africanos e asiáticos é uma experiência do Brasil, do México, da Argentina e dos Estados Unidos.
Como o sr. vê as mestiçagens que estão se produzindo na Europa, com os muçulmanos?
Gruzinski: Os muçulmanos europeus são completamente ocidentalizados. Não praticam um islã clássico, tradicional.
Mas em algumas cidades francesas há uma reação à construção de mesquitas.
Gruzinski: É verdade. Mas devemos pensar que esses muçulmanos são europeus, nascidos na Europa e praticam um islã ocidentalizado. Não há uma islamofobia na França. Eu também me posiciono contra as mesquitas por uma questão de laicidade.
O problema não é que o islã esteja ameaçando o cristianismo. O problema é que um país como a França pensava ter solucionado a questão das religiões controlando o catolicismo e mantendo-o numa zona da vida privada, com a separação da Igreja e do Estado. Agora reaparece a questão das religiões. A oposição ao islã é que ele recoloca essa questão a um país laico.
A separação da igreja e do Estado, com a lei de 1905, foi feita por pressão dos judeus e dos protestantes, em reação à posição de hegemonia do catolicismo. Em 1905, a situação estava resolvida. Ela agora surge de novo.
Mas a construção de mesquitas não seria bom para circunscrever a prática religiosa dentro dos templos e não trazê-la para o espaço público? Não ficaria mais fácil controlar a laicidade?
Gruzinski: Não sei. Politicamente, o eleitorado de origem muçulmana é importante. Há uma vontade de controlar e uma vontade de captar. Por outro lado, podemos imaginar uma secularização do islã, que terminará como o catolicismo ou o protestantismo, ou seja, invisível na paisagem.
Acho que exageramos muito o fundamentalismo islâmico, e não vemos o islã completamente afrancesado, invisível, dos muçulmanos de tradição e que não praticam.
Durante vários séculos, as Américas foram vistas pelos olhos dos viajantes, fotógrafos e pintores europeus. Na exposição, o sr. mostra que a Ásia tem agora um novo olhar sobre a América, e a exposição exibe filmes que provam isso. Como o cinema mostra o olhar dos asiáticos sobre a América?
Gruzinski: O olhar sobre a América, em parte e cada vez mais, é asiático. Ou seja, a construção de um imaginário do que é a América, hoje não passa através da Europa e nem unicamente através dos cineastas do continente americano, mas cada vez mais por esta capacidade dos asiáticos de ver, de olhar e de criar imagens desse continente americano.
Ou seja, parto do princípio de que, hoje, a máquina das mestiçagens, o pólo mais dinâmico, e talvez ameaçador, é a Ásia. Essa riqueza incrível das mestiçagens do Brasil é um fato do passado. Essas músicas são do passado, são músicas do século XX.
Esse mundo que está construindo formas novas, imaginários novos, se deslocou para a Ásia, e nós vemos isso através dessa produção cinematográfica, que pode ser de alta qualidade, mas também muito popular.
Em Belém do Pará, os DVDs mais alugados são asiáticos. E os mangás japoneses são o que os jovens lêem hoje. Nós, intelectuais, não nos damos conta da capacidade do mundo asiático de controlar o imaginário, de formar esse imaginário.
Quer dizer que, hoje, o lugar onde se fazem as mestiçagens mais intensamente é na Ásia?
Gruzinski: Sim, é onde está o poder econômico, financeiro e industrial mais forte, na China. O "Le Monde" dizia há pouco que a China é o ateliê do mundo. Vi também recentemente um desenho do presidente chinês ao lado de Bush, pequenininho. Esse desenho queria dizer que o tempo de Bush acabou.
Acho que, no nível cultural, artístico e cinematográfico, vemos essa chegada contínua de filmes e de obras de arte que pouco a pouco aparecem capazes de reinventar todas as formas de cinema, misturando as cinematografias asiáticas, que são já velhas, com as americanas ou européias.
É uma capacidade de antropofagia. Os antropófagos, dos quais falaram muito bem os modernistas do Brasil, nos anos 20, se deslocaram. É a Ásia que faz a antropofagia agora.
E em que sentido isso seria uma ameaça?
Gruzinski: Admiro muito as cinematografias asiáticas, mas a China é um país muito perigoso. E vemos isso a cada dia. O país que tem mais peso no mundo, maior crescimento, maior riqueza, é uma ditadura totalitária. Isso é uma coisa impressionante. Talvez um dia lembremos com saudade da hegemonia norte-americana, com seu humanismo.
Publicado em 27/8/2008
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LeneideDuarte-Plon
É jornalista e vive em Paris.
quinta-feira, 28 de maio de 2009
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